Comunicação política e processos cognitivos: crítica à atuação da oposição no parlamento brasileiro

Por Reginaldo Minaré

 

Oriunda do grego potiliké e do latim politicus, a palavra política abarca os temas relacionados ao ordenamento do Estado e os assuntos dos cidadãos.

O termo política, que não tem referencial concreto, é uma palavra conceitual que inspira debates desde a antiguidade. Já motivou e motiva a elaboração de diversos conceitos e de diversas formas de abordagens práticas. O estudo do tema, nos mais variados momentos históricos, revela a diversidade de conceitos e maneiras de realização da política.

Na atualidade, considerando o modelo de Estado Democrático de Direito, pode-se conferir que o exercício da política reciclou práticas e preocupações que acompanham o tema desde a antiguidade e incorporou instrumentos contemporâneos.

A prática política nas democracias representativas, cada dia mais, difunde-se pela mídia. O eleito busca a velocidade das novas tecnologias de comunicação na tentativa de se reafirmar como representante do eleitor. Com um mandato representativo para alguns anos, o eleito, que não sabe ao certo porque foi votado, precisa se reafirmar perante um eleitor que, em grande maioria, logo após o processo eleitoral já não sabe bem por que votou em determinado político.

Nesse universo, os termos do mandato representativo concedido envelhecem, perdem a legitimidade de fato muito rapidamente perante um eleitor que pode se expressar e quer ser ouvido em tempo real sobre questões que, na maioria das vezes, não foram objeto do acordo que fundamentou a delegação do mandato representativo.

As lideranças políticas, cientes do valor da mídia (televisão, jornais, internet e redes sociais) e do comportamento da massa, que vota e é influenciada pela mídia, procura cada dia mais garantir espaço nos veículos da mídia para comunicar à massa suas propostas e seus feitos. O aprofundamento dessa prática vem transformando a política em espetáculo midiático, onde a comunicação dos acontecimentos do dia é consumida e logo descartada. Com a lógica da cobertura de última hora, do tempo real, a política se torna assunto também superficial, avaliada sem profundidade e julgada, quase sempre, sem a conexão entre o discurso e o resultado prático.

Construir e realizar uma comunicação política mais alinhada com a percepção do povo, levando em conta a linguagem e a simbologia que povoa o universo mental da maioria dos brasileiros não é tarefa fácil.

Nem sempre aquilo que pretendemos dizer corresponde exatamente ao que nossas palavras significam. Muito depende do contexto, da situação, da ocasião do diálogo, considerando o conjunto de informações, dados e interesses que os interlocutores têm em mente no momento. Apenas o domínio da língua pode não ser suficiente para expressar e entender o que dizemos e ouvimos. Necessário levar em conta os processos cognitivos, que constituem o exercício mental que fazemos quando falamos ou quando ouvimos alguém falar.

No processo de cognição pode ocorrer a dedução do que está implícito. Esse processo confere aos participantes do discurso a oportunidade de escolher uma possibilidade interpretativa dentro do conjunto de hipóteses plausíveis. Pode ocorrer, portanto, que os interlocutores deem a entender coisas diferentes daquilo que literalmente dizem e que entendam coisas diferentes daquilo que literalmente ouvem.

Para ilustrar como nem sempre o que queremos dizer ou o que compreendemos é aquilo que efetivamente as palavras significam, vejam esse exemplo . Notícias de jornais informaram sobre conversa entre a Presidente da República, Dilma Rousseff, e o Presidente do Senado, Renan Calheiros, no mês de outubro de 2013.
Segundo a informação um trecho da conversa ocorreu da seguinte forma:

Dilma: O que acha do Sérgio Cabral (então Governador do Rio de Janeiro) virar ministro em janeiro?
Renan: Essa é uma escolha da Presidente.

Observa-se que, literalmente, a conversa não tem surpresas. Um pergunta e o outro responde. Todavia a interpretação pelos jornais do que foi perguntado e do que foi respondido não corresponde à literalidade da conversa. A simbologia da situação atua de forma decisiva no processo de cognição. Poder-se-ia entender que a Presidente da República fez uma pergunta e o Presidente do Senado afirmou que ela era soberana para decidir sobre o assunto. Entretanto, para os interpretes o diálogo, não foi assim. Para eles a resposta do Presidente do Senado significa que caso a Presidente da República escolha o Sérgio Cabral para ser ministro, ele seria um ministro da cota pessoal da Presidente da República e não um representante do partido do Presidente do Senado no governo de coalizão.

No processo cognitivo, além da dedução do que está implícito, pode ocorrer a dedução por suposição, que também interfere na formulação do sentido daquilo que falamos ou ouvimos. A pressuposição consiste num conjunto de saberes que temos que aceitar como indiscutíveis para que aquilo que dizemos ou ouvimos dizer possa ser acolhido ou recusado.

Quando um parlamentar de oposição vai a Tribuna do Parlamento e não argumenta contra os desmandos do governo do Partido dos Trabalhadores com a energia, a força e a indignação que os manifestantes que saíram às ruas no dia 15 de março de 2015 esperam da oposição, acaba ajudando o Governo, visto que atua para diminuir a motivação daqueles que esperam da oposição um respaldo forte aos seus anseios. Quando aqueles que estão insatisfeitos com o governo não se sentem satisfeitos com o esforço dos parlamentares da oposição, acabam se distanciando do processo político. A apatia acaba ajudando o governo em exercício e enfraquecendo a oposição.

Quando parlamentares oposicionistas abordam o baixo crescimento do Brasil, geralmente vão à Tribuna e dizem: “O Brasil cresceu apenas 0,1%”. Ao iniciar o discurso dessa forma, eles, primeiro, estão afirmando que o Brasil cresceu, e isso é uma notícia positiva. Perdem a oportunidade de enfatizar a notícia negativa, que é o fato do Brasil não ter crescido. Qual informação será captada pelo ouvinte, a de que o Brasil cresceu ou o percentual de crescimento? Caso pouco importe o percentual, o que vai prevalecer é a notícia de que o Brasil cresceu, e não a mensagem de que, por exemplo, o Brasil deixou de crescer 7% se comparado ao crescimento da China. Ficará o entendimento de que o Brasil cresceu. Julgamento que enfraquece o trabalho da oposição e contribui para diminuir o desgaste do governo.

Mas não só quando a oposição é protagonista da atuação ela falha. Quando não consegue demonstrar o embuste contido no argumento político da situação, falha também. Por exemplo, sabemos que o partido político que está atualmente no poder sempre criticou os programas de privatização levados a cabo por outros partidos que estiveram no poder. Atualmente, como estão lançando mão da privatização para angariar investimentos na área de logística, não usam a palavra privatização e sim concessão. Dizem que não estão privatizando e sim fazendo concessões e parcerias. Como estão usando termos técnicos, com significados que só são bem claros para aqueles que têm conhecimento da administração pública, pode ocorrer que as ações de concessão não sejam reconhecidas como privatizações por grande maioria da população. O atual governo vem usando essa retórica de maneira eficiente e os partidos oposicionistas não foram suficientemente eficazes para desmontar esse argumento e deixar claro para a população que isso é privatização, tal qual o partido governista criticava no passado.

Outro exemplo de ineficiência da oposição foi o que ocorreu com o estabelecimento do novo marco legal para os portos. A lei dos portos que foi recentemente revogada e substituída por outra, foi apresentada à população como uma lei que atrapalhava o desenvolvimento do setor portuário ao impedir o investimento privado. Nada mais falacioso. A antiga lei dos portos em nada prejudicava o investimento privado, pelo contrário, incentivava-o. O que impediu o investimento privado nos portos foi um decreto, publicado pelo então presidente Lula, que regulamentou a lei dos portos e praticamente tornou impeditiva a construção de terminal portuário privativo de uso misto. Na realidade, bastaria a revogação do mencionado decreto para que o investimento fluísse naturalmente. Entretanto, caso o governo da presidente Dilma revogasse o decreto para viabilizar o investimento privado nos portos brasileiros, deixaria claro que quem travou os investimentos foi o decreto publicado pelo seu antecessor e padrinho político. Optou-se, então, por movimentar a máquina de propaganda do governo no sentido de propalar o argumento de que para destravar os investimentos no setor portuário seria necessário mudar o marco legal. Nada mais enganoso. Todavia, os partidos oposicionistas não se atentaram para o histórico da legislação portuária nem para identificar as origens do verdadeiro gargalo existente. Ficou a versão do governo, ou seja, mudamos a legislação para viabilizar investimentos. Na realidade o mesmo governo que prejudicou o investimento no setor portuário conseguiu, com base na propaganda, ser também o grande incentivador, inclusive com a presidente Dilma se comparando a D. João VI. Efetivamente um descuido grave da oposição.

Cochilo semelhante está ocorrendo com relação ao projeto de lei do Poder Executivo que propõe novo marco legal para o acesso ao patrimônio genético.

A Medida Provisória – MP nº 2.186/2001, ao regulamentar o tema criou, no âmbito do Ministério do Meio Ambiente, o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético – CGEN, colegiado de caráter deliberativo e normativo, com competência para autorizar o acesso e a remessa de amostra de componente do patrimônio genético, e acesso a conhecimento tradicional associado.

Embora tenham pontos da MP nº 2.186-16/2001 que, de fato, mereceriam reparos, o que poderia ter sido feito se o Congresso Nacional tivesse apreciado o que foi encaminhado pelo Poder Executivo, a aplicação da MP com um mínimo de competência seria perfeitamente possível. A MP exige que o CGEN autorize diversas práticas, mas não impõe um rito moroso e burocrático para o procedimento de autorização. Todavia, o CGEN patrocinou um emaranhado de normas e um procedimento burocrático e vagaroso que afugentou empresas, universidades e institutos de pesquisas.

A inoperância do CGEN foi construída e cultivada pelo próprio Conselho, e não oriunda da dificuldade de aplicação da MP nº 2.186-16/2001 como tentam argumentar principalmente aqueles que contribuíram para sua ineficiência. A atuação do CGEN, ao longo do governo do Partido dos Trabalhadores, foi desastrosa, temerária.

Durante o período do governo do ex-presidente Lula e da presidente Dilma, os pesquisadores e investidores, nada dispostos a aguardar entre 4 e 6 anos para obtenção de uma simples autorização que poderia ser emitida em tempo real por meio eletrônico, muitos iniciaram seus investimentos e suas pesquisas sem a autorização do Conselho. Como consequência, atualmente, estão com produtos no mercado que são considerados irregulares. A exploração econômica de produtos ou processos desenvolvidos a partir de amostra de componente do patrimônio genético ou de conhecimento tradicional acessados em desacordo com o estabelecido pela MP e pelas normas do CGEN é apenada com multa de vinte por cento do faturamento bruto obtido na comercialização ou de royalties obtidos. Para desespero de muitos, a MP nº 2.186-16/2001 não prevê a figura da regularização sem a aplicação ou redução das penalidades previstas.

Vem agora, o mesmo governo que impôs prejuízos incalculáveis ao desenvolvimento da biotecnologia nacional, propor um novo marco legal, para revogar a MP nº 2.186-16/2001 e regularizar um passivo que foi construído por sua própria inoperância.

A discussão do tema já está no final e novamente a oposição não conseguiu fazer a leitura do contexto e atribuir ao atual governo o ônus que lhe cabe.

Em entrevista publicada pela Revista Rolling Stone Brasil no mês de setembro de 2010 a então candidata e atual presidente Dilma Rousseff afirmou “Eu me orgulho muito de ter lutado contra a ditadura do primeiro ao último dia. Porque lutei pela democracia…”. As duas afirmações feitas pela presidente Dilma só serão aceitas pelo leitor se ele estiver de acordo com suas afirmações. O leitor poderá concordar com o fato de a presidente Dilma ter lutado contra a ditadura, mas poderá discordar que ela tenha lutado pela democracia. Quem efetivamente conhecer a história logo identificará que o argumento a respeito de lutar contra a ditadura é legítimo, mas aquele que a vincula à luta pela democracia é totalmente falacioso. O grupo ao qual pertencia a presidente Dilma não pretendia vencer a ditadura para implantar a democracia, mas sim outro tipo de ditadura. Nesse ponto a oposição também não conseguiu desarmar a retórica do engodo, que até hoje prevalece.

Notadamente existem falhas graves na atuação dos partidos de oposição. Uma oposição eficiente é aquela que atua na vanguarda, que consegue produzir fatos para os veículos de comunicação noticiarem, que desarma os espetáculos midiáticos armados pela situação e que deixa evidente ao público que quer mesmo governar para fazer melhor.

Da forma como a oposição está atuando, de nada vale tentar criar um sistema de comunicação que aproveite sua capilaridade representada pelos cargos eletivos que ocupa nas estruturas dos Entes Federados. A pouca eficácia dos argumentos que está produzindo seguramente ajudaria a situação.

Decididamente a oposição precisa, primeiro, reordenar a atuação de seus membros e os métodos de suas assessorias para, depois, reestruturar seu sistema de comunicação, estabelecendo temas e conteúdos que deverão ser comunicados de maneira verticalizada, com o objetivo de lançar mão de sua capilaridade e atingir o máximo de eleitores nas diversas regiões do país, apresentando-lhes argumentos que, de fato, sejam apreendidos e sirvam de elemento motivador para o engajamento político.

Reginaldo

Reginaldo Minaré é advogado e mestre em Direito. Atualmente, é assessor jurídico no Senado Federal.